Ainda mal tinha arrancado o projeto e um incêndio numa máquina do laboratório ia condenando o negócio ao falhanço. Agora querem levá-lo mais longe, tão longe como a alimentação dos bebés.
Clarissa é uma burra esperta. Talvez por isso seja a nova líder do grupo. Tornou-se especialista em abrir portões e, certa noite, resolveu levar a manada para um passeio. Por volta das três da manhã, quando a equipa da Asinus Atlanticus chegou ao local, já as burras estavam a chegar à estrada. O que vale é que são animais dóceis e não foi difícil levá-las de volta à exploração. Clarissa é uma das 55 burras que a empresa açoriana tem. O objetivo é a exploração de leite de burra para a cosmética e alimentação humana. O consumo não parece ser prejudicial, mas as alegações de benefícios para a saúde ainda carecem de mais estudos científicos.
A ideia do leite de burra surgiu depois de verem uma reportagem sobre o assunto. Susana de Couto Rico e Rute do Couto tinham algo em comum: “a vontade de ter um negócio diferente e que trouxesse valor acrescentado”, conta ao Observador o outro ponto comum entre ambas, Marcos do Couto, irmão e marido, respetivamente. Estudaram várias hipóteses — ovelhas e cabras — até que viram a tal reportagem e souberam que era esse o caminho a seguir.
A família Couto tinha comprado recentemente um burro e uma pequena carroça, mas ao animal que seria companhia para as crianças foram-se juntando outros à medida que o projeto crescia. As ideias começaram a tomar forma em 2011 e, dois anos depois, no final de 2013, nascia a Asinus Atlanticus em plena pastagem de Angra do Heroísmo.
A primeira dificuldade começou logo com a compra dos animais. Um dos requisitos era que fossem raças autóctones e em Portugal só existem duas — o burro de Miranda e o burro da Graciosa. O outro era que os animais fossem comprados na ilha. Mas os burros eram escassos na Terceira ou até nas outras ilhas açorianas. E os que existiam tinham muitos problemas de saúde e não se conseguiam reproduzir convenientemente.
Foi uma altura difícil”, conta Marcos do Couto. “Ser empreendedor em Portugal é difícil, mas nos Açores é muito mais.”
Sem burras capazes de gerar descendência, não havia hipótese de produzir leite. E esse era o foco do negócio. A equipa não teve outra hipótese senão ir comprar animais ao continente. Além disso, nas ilhas as notícias correm depressa e de cada vez que iam à procura de burras para comprar elas estavam sempre mais caras. “No início, as duas primeiras, custaram 200 ou 250 euros, passado uns tempos já estavam a 500 euros, mas ao fim de três meses já custavam 700 euros”, conta Marcos do Couto. No continente foi possível comprar animais de maior porte — os de raça mirandesa ou sem raça — por um preço mais em conta (400 a 600 euros).
Mas no meio dos azares também existem histórias felizes. “Pequenos sinais que mostram que temos de seguir com o projeto”, conta o professor de Educação Física. Havia uma burra à venda por 500 euros, mas já não havia margem para esta compra — o investimento inicial no projeto contava apenas com as poupanças dos quatro sócios. Foi o Totoloto salvou a situação. A única vez que Marcos do Couto ganhou um prémio deste tipo. E logo 500 euros. A burra passou a ser uma Asinus Atlanticus.
Fonte: Observador - Por Vera Novais
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